quarta-feira, dezembro 05, 2012

A questão da legitimidade deste Governo

Nos últimos tempos, muito se tem escrito e falado sobre o grau de legitimidade democrática que este Governo tem (ou não tem) para continuar em funções. O último episódio desta novela tem como principal protagonista Mário Soares que veio exigir, juntamente com outras 77 personalidades da vida pública portuguesa, a demissão de Passos Coelho ou, em alternativa, a mudança drástica de política.
Mário Soares vem exigir a Passos Coelho que se demita ou mude de política com o argumento de que as promessas eleitorais feitas durante a última campanha legislativa não foram cumpridas e que, pelo contrário, foram tomadas medidas que contrariam aquilo que foi prometido.
Ora, este argumento, parece-me, quanto a mim, mais que duvidoso, visto que enferma de vários problemas que vou tentar explicar.
Mário Soares e aqueles que apoiam as suas ideias deveriam ter em conta que a Constituição da República Portuguesa (CRP) nada diz sobre as consequências políticas que um Governo deve ter caso não cumpra as promessas eleitorais. Mário Soares tem a obrigação de saber (já não direi isso em relação ao comum dos eleitores mais distraídos) que as promessas eleitorais não passam de intenções (em política, uma promessa não significa obrigação, mas sim intenção ou propósito) e que o que mais verdadeiramente conta em termos de campanha eleitoral não são os sound-bites que se fazem nos comícios, mas sim os programas eleitorais dos partidos que, infelizmente, são, muitas vezes, ignorados pelos jornalistas quando estes entrevistam os candidatos a Primeiro-Ministro.
Por outro lado, todos sabemos que durante as campanhas eleitorais só se diz aquilo que convém e que o povo gosta de ouvir. Isto, independentemente do partido, dado que seria, no mínimo, absurdo que, num acto eleitoral praticado em plena situação da pré-bancarrota (que foi o que aconteceu nas últimas eleições legislativas) víssemos um qualquer partido dizer que iria diminuir as despesas (ou seja fazer cortes no Estado Social) e aumentar as receitas (ou seja, aumentar os impostos), sob pena desse partido não obter quaisquer votos.
Mas, há outro argumento formal: em termos constitucionais, nas eleições legislativas, não votamos num candidato a Primeiro-Ministro, mas sim em candidatos a deputados, pelo que, constitucionalmente não se pode demitir um Governo com o argumento de que este não cumpriu as supostas promessas eleitorais.
Mário Soares e aqueles que apoiam as suas ideias deveriam ler o artigo 185º da CRP, que versa a demissão do Governo. Neste momento, apenas uma circunstância poderia levar o Presidente da República a demitir o Governo: o não estar assegurado o regular funcionamento das instituições democráticas. Ora, enquanto a coligação PSD-PP se mantiver firme, apenas razões de natureza político-partidária poderiam levar Cavaco Silva a demitir o Governo. Recorde-se que foram estas razões de âmbito político-partidário que levaram Sampaio (militante socialista) a demitir o Governo de Santana Lopes.
Mário Soares e aqueles que apoiam as suas ideias deveriam saber que caso este Governo se demitisse ou fosse demitido, estaríamos na presença do eclodir de uma situação verdadeiramente catastrófica, do ponto de vista financeiro e, consequentemente, social para Portugal, dado que, estando o país sob o efeito de um programa de ajustamento da sua economia (com financiamento externo restrito), a estabilidade governativa não estaria assegurada com um novo Governo, o que levaria a que ficássemos num estado bem pior do que a Grécia.
Mário Soares e aqueles que apoiam as suas ideias deveriam saber que, estando Portugal em situação de resgate financeiro (ainda há quem não tenha compreendido que, efectivamente, neste momento, estamos sob a alçada de instituições externas – o FMI, o BCE e a UE) a aplicação de medidas antipopulares é completamente inevitável. Doutra forma, a alternativa seria rasgar o acordo com a troika, sair do euro e aí sim, poderíamos ter um novo Governo (minoritário ou não) que a miséria a sério estaria de regresso a Portugal, fazendo lembrar os tempos que se viveram em Portugal durante a ditadura do Estado Novo.
Portanto, parece-me claro que, das duas uma: ou a coligação deixa de ter sustentabilidade e o Governo cai, com consequências terríveis para a economia portuguesa, ou teremos este Governo a vigorar durante os quatro anos que comportam o seu mandato e então, só depois, é que os portugueses poderão ser, novamente, chamados a pronunicar-se em eleições. É que convém lembrar que vivemos numa democracia representativa e não numa democracia popular.
Os tempos que vivemos são difíceis e o argumento de que este Governo não está a cumprir aquilo que prometeu é demasiado simplista. O tempo próprio para avaliar o Governo é no fim dos quatro anos de legislatura, sob pena de andarmos a brincar às eleições, fazendo lembrar os tempos que a Itália viveu na década de 1980.
Claro que todos aqueles que não votaram neste Governo e até muitos dos que votaram nele (apenas por terem ido atrás das promessas feitas) têm razões para se sentirem insatisfeitos e desagradados com as políticas que têm sido tomadas. As formas de darem a conhecer essa indignação são conhecidas: manifestações, petições, greves, tudo no âmbito da liberdade de expressão responsável. Já a lógica das ameaças, de que Otelo Saraiva de Carvalho e Mário Soares são especialistas, parece-me impróprio de um país civilizado e democrático. A propósito deste assunto, deixo o artigo de Vasco Pulido Valente, no qual me revejo.

7 comentários:

Anónimo disse...

"a Constituição da República Portuguesa (CRP) nada diz sobre as consequências políticas que um Governo deve ter caso não cumpra as promessas eleitorais."

Ou seja, isso significa na prática que os políticos podem mentir sem o mínimo constrangimento (como de facto se verifica, sejam eles do PS ou do PSD) pois a Constituição dá-lhes garantia de impunidade. Nesse caso, pergunto-lhe: concorda com isso? Se concordar, então não pode criticar o que fez o governo Sócrates ou qualquer outro governo do PS, pois ele limitou-se a fazer exactamente o mesmo que fez qualquer governo do seu PSD: prometer e não cumprir. E os resultados estão bem à vista!

Gorgi disse...

A reacção de ontem de Passos Coelho perante um protesto de estudantes prova que os protestos civilizados têm todo o cabimento num país democrático como o nosso.
Já as provocações de Soares são patéticas.
Quanto à legitimidade democrática deste Governo penso que é total, enquanto tiver apoio do Parlamento e a estabilidade governativa estiver assegurada.

Anónimo disse...

É verdade que a Constituição nada diz sobre consequências de um político depois de eleito nãocumprir as promessas que fez. alegro-me por verificar que a Constituição afinal já lhe agrada! Mas, há que dizê-lo, Pedro Passos Coelho fez mais do que não cumprir promessas - mentiu descaradamente. Não me venha dizer que não teve remédio, ou que não tencionava...

Anónimo disse...

Você fala muito na legitimidade constitucional. E a legitimidade moral? Não existe?

Pedro disse...

Caro anónimo ou anónimos(não sei se é o mesmo, pois não deixam o seu nome!!!), é verdade que as intenções, propostas ou promessas (chame-se o que bem entender) feitas por Passos Coelho durante a campanha eleitoral não estão a ser totalmente cumpridas. Diria que umas estão a sê-lo e outras não...
Mas, continuo a pensar que em campanha eleitoral, grosso modo, apenas se diz o que o povo gosta de ouvir. Por isso, não faz muito sentido ir atrás de frases do génereo "não iremos aumentar os impostos". Todos dizem isso!
Mas, há que admitir que este Governo tem um "handicap" que os anteriores não tiveram: estamos numa situação de resgate financeiro externo, assim como aconteceu durante a última intervenção do FMI no ínicio da década de 1980, durante o governo de Mário Soares (que também tomou medidas impopulares, que não apresentou na campanha eleitoral).
Quanto à legitimidade moral, apenas direi o seguinte: se o Governo apenas tivesse intenções eleitoralistas não tomaria as medidas que está a tomar, pois estaria a pensar nas próximas eleições. Passos Coelho já afirmou que não governa para eleições e que se tiver de perder as próximas legislativas à custa do regresso da independência e do equilíbrio financeiro a Portugal, perdê-las -á sem problema.
Passos Coelho comprometeu-se em tirar o país da bancarrota e todas as instâncias internacionais dizem que é isso que está a acontecer. É verdade que isso está a ser feito com medidas impopulares e à custa de grandes sacrifícios.
Mas, caso um governo se demitisse por apresentar medidas impopulares, então estaríamos sempre a mudar de Governo ou então entraríamos em autêntica bancarrota.
Na política há que saber contextualizar as circunstâncias históricas em que se governa. Ora, neste período da nossa História qualquer governo seria obrigado a tomar medidas impopulares.

Gorgi, concordo contigo. Ontem foi possível assistir a um momento único em Portugal. Viu-se a diferença entre um Passos Coelho que respeita a liberdade de expressão civilizada e um Sócrates que abominava qualquer forma de contestação.

Anónimo disse...

Se este primeiro-ministro tivesse um pingo de vergonha na cara já se tinha demitido tal é a contestação popular de que é alvo.

Anónimo disse...

Uma coisa que a Constituição Portuguesa diz é que Portugal é um estado laico, e que não promove uma religião.
Alguém devia, então, dizer ao Cavaco Silva para não fazer discursos à frente de um presépio e para não ir com o Portas falar com o Papa.
E não venham com tretas que não foram como figuras do estado, se fossem cidadãos anónimos tinham tanto aquela atenção do Papa como eu da Pamela Anderson!
Portanto... nem tudo que está na Constituição é para ser feito. Aliás... com este Governo, quase nada é para ser feito!