quinta-feira, outubro 04, 2012

Um caminho estreito, difícil, mas possível...

Depois das medidas propostas no passado mês de Setembro terem sido alvo da contestação que sabemos, o Governo decidiu-se por recuar (estratégia criticada pela imprensa internacional, com destaque para o Financial Times) e avançou agora com novas medidas de austeridade que incidem no aumento da carga fiscal e já não no aumento da competitividade das empresas portuguesas (objectivo proposto aquando da intenção de reduzir a TSU para as empresas).
Duas notas introdutórias:
1. Não se pode acusar Passos Coelho de teimosia ou de inflexibilidade. O recuo em relação aos planos para a TSU demonstram que o Governo ouviu a rua, embora considere que uma situação semelhante não pode voltar a ocorrer, sob pena de termos a rua a governar, o que não pode acontecer.
2. As novas medidas anunciadas por Vítor Gaspar assumem o compromisso claro da progressividade dos sacrifícios: os mais desprotegidos não são atingidos, enquanto que a mais penalizada será a classe alta.
O excerto do editorial do Público de hoje não ignora estas duas realidades.
Ora, como sabemos, mais de 55% dos portugueses não pagam IRS e todos aqueles que recebem por mês menos de 600 euros foram salvaguardados deste novo aumento fiscal. Por outro lado, a classe média será novamente chamada a contribuir para o aumento das receitas fiscais. Contudo, importa não desvalorizar o facto do Governo ter tido a clara preocupação de suavizar os cortes na classe média-baixa, ao passo que as classe média e média-alta terão um claro aumento de impostos, embora inferior à enorme carga fiscal que afectará a classe com maiores rendimentos. De facto, convém chamar a atenção de um conjunto de medidas que visam obrigar os mais ricos a contribuir para o ajustamento estrutural que o país necessita de efectuar:
- aqueles que auferem um rendimento anual de cerca de 120000 euros (10000 euros mensais) terão uma taxa total de IRS de 54,5%;
- haverá um aumento do IMI e da carga fiscal para os detentores de imóveis de valor superior a 1 milhão de euros;
- os bens de luxo, como automóveis, barcos ou aviões, terão um claro aumento de impostos;
- as empresas com maiores lucros serão também chamadas a contribuir através do aumento da sua tributação;
- as transacções financeiras serão alvo de um aumento da carga fiscal.
A propósito, deixo aqui um gráfico com o número de agregados familiares existentes em Portugal tendo em conta os rendimentos anuais para que os mais distraídos percebam as razões que levam a que seja sobretudo a classe média a ter de pagar a crise: há quase 2,5 milhões de famílias que auferem menos de 13500 euros por ano, as famílias que recebem mais de 100000 euros anuais são pouco mais do que 15000 (número muito reduzido a nível europeu), pelo que terá que ser a classe média (as famílias que auferem entre 19000 e 100000 euros/ano, dependendo do número de elementos do agregado familiar) e que são pouco mais do que um milhão de famílias a pagar grande parte da crise. 
Falta agora esperar pelas medidas que possam contribuir para o aumento da competitividade das empresas nacionais. Sim, porque esta crise de financiamento externo e de colossal dívida pública apenas poderá ser resolvida através de duas formas: por um lado, o combate ao défice orçamental (que se efectuado através da diminuição drástica das despesas do Estado e do aumento das receitas fiscais em sede IRS) e, por outro lado, através do crescimento económico, alcançado através do aumento do PIB. Ora, não preciso ser especializado em economia para saber que o crescimento económico só se pode alcançar através do aumento do consumo interno, da aposta no investimento público ou através do aumento das exportações.
Sabemos que o consumo interno não irá aumentar (até ira diminuir), dada a diminuição dos rendimentos mensais, por forma a travar o endividamento das famílias. Sabemos que o investimento público foi a causa da austeridade que agora temos: a aposta em obras públicas sem sentido, por via de parceiras público-privadas duvidosas e catastróficas foi um erro que não se pode repetir. Deste modo, a outra parte da solução passa pela aposta nas exportações (por forma a equilibrar a balança comercial), pelo que a baixa da TSU para as empresas exportadoras poderá voltar à ribalta, para que se continue a aumentar a taxa de crescimento das exportações. Já agora, seria importante que com o aumento da credibilidade externa que agora possuímos pudéssemos voltar a ter no nosso país um aumento do IDE (investimento directo estrangeiro): bastaria mais uma "Auto-europa" para que o PIB crescesse mais de 1%.
O caminho que Portugal está a seguir tem uma origem que convém não esquecer: a governação vergonhosa, displicente e irresponsável de Sócrates que deixou o país à beira da bancarrota. O caminho que Portugal está a seguir tem duas premissas claras: a protecção das classes sociais mais baixas e a progressividade das medidas anunciadas: já não faz qualquer sentido afirmar que o governo protege os ricos e tira aos pobres. O caminho que Portugal está a seguir tem em vista dois objectivos claros: permitir que o nosso país volte a ter as contas públicas equilibradas e o consequente acesso ao financiamento externo e criar as condições para que daqui a dois anos as condições de vida dos portugueses possam melhorar e, assim, o país cresça de forma sustentável.

Adenda - Num tempo em que a abunda a crítica fácil e rasteira, há que elogiar quem, de forma lúcida, racional e sensata, tenta demonstrar o real estado do país e os esforços que têm vindo a ser feitos para que Portugal recupere a credibilidade internacional e a independência financeira, por forma a que daqui a uns anos possamos voltar a ter o necessário equilíbrio das contas nacionais e um crescimento económico razoável. A este propósito, deixo aqui alguns excertos do mais recente artigo de José Manuel Fernandes no Público. E não me venham dizer que o jornalista é do PSD!

José Manuel Fernandes faz mais do que a maioria dos comentadores que apenas sabem criticar, sem darem a conhecer verdadeiras alternativas. E convém não esquecer algo essencial: sem cortar na despesa não chegamos a lado nenhum. Ora, 80% das despesas do Estado são praticamente para pagar salários, pensões e subsídios vários. Não cortando mais na despesa, a alternativa é a que vamos ter: mais impostos, respeitando a regra da progressividade fiscal, pelo que quem tem maiores salários, pagará mais IRS. Bastante claro, não?

7 comentários:

Varandas disse...

Mas você não vê que isto não passa de um assalto fiscal ao povo? Não ouviu o Marques Mendes falar em assalto à mão armada?
Como é que você consegue vir defender este tipo de medidas?

Anónimo disse...

Ó Pedro, não te cansas de dizer sempre a mesma coisa? Sempre a defender o Passos Coelho!
Já sabemos que és laranjinha e que só vês o PSD à frente, mas podias fazer um esforço por tentar ser mais imparcial.
É verdade que o Sócrates afundou o país, mas o Passos Coelho não o vai conseguir recuperar com tanto ataque fiscal. Pensa no assunto, ok?

Nan disse...

Sim, Pedro, o Pai Natal existe mesmo, vive no Pólo Norte e corre o mundo no seu trenó puxado por renas, para distribuir brinquedos e doces aos meninos que se portam bem.

Pedro disse...

Nan,
aconselho-a a ler o artigo do José Manuel Fernandes para perceber a necessidade imperiosa de equilibrarmos as nossas contas públicas. Por outro lado, poderá, finalmente, perceber porque chegámos a esta situação e quais as únicas formas que existem para recuperarmos a nossa independência financeira: cortar na despesa (que é o mesmo que cortar nos funcionários públicos) e aumentar a receita (aumentando o IRS daqueles que auferem melhores salários).
De resto, tenho pena que da sua parte ainda não tenha visto verdadeiras alternativas ao que temos.

Helena disse...

A sua argumentação pode ter as melhores intenções e até estar correta mas não podemos ignorar os milhares de pobres que esta política produz. Falta-lhe sensibilidade social.

Anónimo disse...

Existem muitas mais formas de cortar na despesa do estado, essas que o coelho(cusp!!!) propõe e às quais você diz amém, não necessitaria, de ser tão pesadas caso fosse feito aquilo que eles não fazem porque não querem! Mexer-lhes-ia no bolso! Excusado seria dizer que também iria mexer muito com os tachos que já têm destinados aquando da retirada estratégica...

Pois eu sei muito bem como acabar com este esforço, que a seu tempo se revelará inútil!

- através de medidas justas, que agora não me apetece estar para aqui a escrevinhar, mas que iriam mexer onde realmente interessa;

- pondo no banco dos réus todos os culpados deste estado a que chegámos!

É que, sabe, de outra forma isto só acaba com a 3ª guerra nundial...

... não será esse o objectivo?

Ontem vi, pela primeira vez este ano, o Pai Natal e as suas renas, começou a azáfama do Natal deste ano. Não se esqueça de pôr o sapatinho na chaminé!

Nan disse...

No dia em que depender das análises do José Manuel Fernandes para entender a realidade, estarei provavelmente morta.