sábado, abril 13, 2013

A farsa da nossa Constituição...

Já por várias vezes critiquei a nossa Constituição, quer por ser demasiado extensa e subjectiva, quer por estar desfasada aos tempos que vivemos. Mas, quero aqui dar um exemplo concreto de como esta Constituição não passa de um longo texto de intenções (muitas delas duvidosas!) que, muitas vezes  são ignoradas de acordo com as circunstâncias e as conveniências.
Repare-se no que diz a alínea a), nº 1 do artigo 59º da CRP:
"Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna".
Ora, o que temos aqui é pura retórica que o próprio Estado ignora e despreza. É aquilo a que se chama "letra morta", ou seja, meras intenções de um legislador que se preocupa em criar um artigo cheio de boas intenções, mas que não é cumprido, é ignorado e, provavelmente, nem é conhecido pela maior parte dos portugueses.
Vou aqui dar um exemplo concreto de como este artigo é completamente desrespeitado e ignorado, sem que ninguém com responsabilidades na matéria (a tutela, os sindicatos e muitos dos seus trabalhadores) se preocupem em que o referido artigo seja cumprido.
Quem é professor sabe que a função docente (e a sua qualidade) não é determinada pela idade que se tem. Um professor com cinco anos de serviço executa, precisamente, a mesma função que um seu colega com trinta anos de serviço. Não há tarefas diferenciadas, como acontece com os médicos, os polícias, os militares, os juízes ou outras profissões onde um maior número de anos de serviço determina obrigações diferenciadas. Ora, na Educação, o que temos em vigor é algo que, factualmente, é inconstitucional: um regime remuneratório assente em escalões diferenciados de acordo com os anos de serviço quando a função realizada pelos professores (quer tenha cinco ou trinta anos de serviço) é exactamente a mesma. Aliás, nesta profissão até pode acontecer algo ainda mais gritante: o professor com menos anos de serviço ganha menos, mas até trabalha mais, porque tem mais horas letivas (e, portanto, mais turmas), enquanto que o professor com mais anos de serviço, que ganha mais até trabalha menos, porque tem menor carga lectiva (e, portanto, menos turmas). Ou seja, factualmente o que temos? Temos uma situação em que para a mesma função (leccionar) o salário não é o mesmo... Pura ilegalidade!
E não vale a pena aos defensores do actual estado de coisas virem com a desculpa que pretendo provocar divisões na classe docente, porque a questão não é essa. Considero completamente injusto que um colega meu que faz o mesmo que eu (leccionar) ganhe menos apenas porque é mais novo do que eu, tal como considero injusto que um colega meu ganhe mais do que eu apenas porque tem mais anos de serviço. E, quanto à velha "desculpa" da experiência, apenas direi que ter mais anos de serviço não implica, de forma automaticamente, que se tenha maior qualidade no trabalho, que se ensine melhor ou que se tenha funções acrescidas. Isso pode acontecer com outras profissões, mas com os professores não...
Portanto, o que tento aqui demonstrar com este pequeno exemplo concreto é muito claro: a nossa Constituição apresenta artigos que são completamente desrespeitados e até ignorados pelas partes interessadas. No caso concreto, os próprios sindicatos de professores são os primeiros a defenderem a diferenciação salarial com base na idade, quando esta é, factualmente, inconstitucional. 
Só mais uma achega: há países europeus onde um professor com 10 anos de serviço ganha precisamente o mesmo que um seu colega com 35 anos de serviço, aplicando a lógica do "para trabalho igual, salário igual". Exemplo: a Dinamarca. 

13 comentários:

Anónimo disse...

Excelente. Muito bem visto.
Seria bom que que tivessem isto bem presente porque realmente +e como diz. As injustiças e falta de equidade nas cargas letivas e atribuição de número de turmas e de níveis chegam a ser gritantes. Depois à aqueles que se encostam aos cargos, melhor aos diretores para supostamente coordenarem e só fazem caca. Enfim... o habitual da mentalidade portuguesa: a cunha, o graxismo,o encostanço... e... e...

MJ

Anónimo disse...

errata:
SERIA BOM QUE...
É COMO DIZ...
DEPOIS HÁ AQUELES..

PS: acabei de acordar e estou a escrever apenas com a luz do monitor :-)

MJ

Anónimo disse...

Era o que faltava!!!!!
Um professor acabado de sair da universidade ganhar o mesmo que um professor com 30 anos de experiência seria um disparate.
Vê se metes na cabeça que a experiência molda uma pessoa e torna-a menos imperfeita, pelo que é justo que quem tem mais experiência ganhe mais do que um novato na profissão.

Anónimo disse...

Anónimo,
não concordo consigo.
Com o passar dos anos eu mesma já noto que já estou em declínio e tenho apenas 45 anos. As ideias, a genica a vontade de inovar, etc. são características dos mais jovens porque a idade vai pesando e quer queiramos, quer não o nosso ritmo vai abrandando.
Claro que a experiência nos dá sabedoria, mas um jovem, sendo bom profissional, pode fazer um trabalho impecável Há-os muitos por aí...

MJ

Pedro disse...

MJ,pensamos o mesmo. De certeza que o anónimo(?) anterior é daqueles colegas que ainda não perceberam que os tempos de agora são outros...
A mim parece-me que um jovem bom profissional sê-lo-á sempre, assim como um jovem mau profissional também correrá sérios riscos de o ser sempre ao longo da sua vida. Assim, parece-me absurdo pensar que é a idade que torna um professor melhor que um seu colega mais novo...
A experiência pode trazer sabedoria, mas não para todos. É que a idade também pode ser sinónimo de teimosia, prepotência e insistência nos erros. Todos conhecemos casos desses. Daí que considere mais justo o que se faz noutros países da UE: dois professores, um com 10 e outro com 30 anos de serviço, ganham o mesmo. Exemplo? A Dinamarca...

Anónimo disse...

Pedro,
claro que sim. Quem é bom profissional tentará sê-lo sempre, mas tal como referi, o perder do ritmo e do entusiasmo, com o avançar da idade também se reflete na nossa performance. É rara a pessoa a quem a vida não afete, de várias formas...
Tenho visto muito disso que refere: a prepotência, a teimosia, o não querer mudar práticas, o encostanço porque a idade , infelizmente, em muitas escolas continua a ser um posto, e..e..

Tenha um bom dia de trabalho:-)

Anónimo disse...

Que raio de leitores de leis e de constituições! Então, este artigo impede a existência de carreiras, heim?
Aqueles que, por força da avaliação que houver, subirem de escalão por prova de "qualidade", como refere o artigo, ficam impedidos de subir na carreira porque... não pode haver carreiras, segundo a Constituição! E um ferreiro a trabalhar na empresa "Ferradura", do Minho, tem de ganhar o mesmo do que um ferreiro no Algarve na empresa "Ferrogalho".
Valha-me Deus.

Pedro disse...

Caro último anónimo(?), penso que não percebe ou finge não perceber aquilo que escrevi.
Afirma que o art. 59º não impede a existência de carreiras. Ora, se a CRP fosse levada a sério pelos juízes do CRP é mais que óbvio que, no caso analisado (o dos professores) não deveriam existir escalões, tal e qual como existem. A razão é muito simples: o actual regime remuneratório dos professores apenas tem em conta os anos de serviço e não a qualidade do serviço, como insinua o caro(a) anónimo(a).
É bom que saiba (pelo que escreve não é professor) que um professor contratado (nem que o seja há 20 anos) ganha pouco mais de 1000 euros e um seu colega no 8º escalão ganha quase o dobro, não porque tenha maior qualidade profissional (como insinua), mas apenas porque os anos de serviço lhe permitiram chegar, de forma automática (repare, automática), ao 8º escalão. Vem então dizer-me que o colega do 8º escalão é, assim, melhor profissional que o seu colega contratado há 20 anos, mas que está no 1º escalão? Valha-me Deus...
Portanto, das duas, uma: ou a CRP é cumprida e, pelo art.59º o salário dos professores é só um (e a diferenciação far-se-á por complementos remuneratórios acrescidos de acordo com outras actividades para além da docente, tais como DT, direcção ou outras, ou pela própria avaliação) ou então altere-se o art.59º, pois assim só está na CRP para fazer de conta que é cumprido.
Um conselho: veja como são as carreiras (ou falta delas) na Dinamarca. Ou seremos nós que estamos corretos e os dinamarqueses errados...
Quanto à prova da "qualidade" (a avaliação) que refere só pode estar a brincar... O que existe é um sistema de "faz-de-conta"...
Mas, enfim é só a minha opinião. É que o seu argumento dos ferreiros não me convenceu nada...

Anónimo disse...

Pedro,

obrigada pela sua clarividência, defesa da justiça/equidade e poder argumentativo. É um gosto lê-lo.

MJ

Anónimo disse...

Tanta indignação contra a nossa Constituição, mas nem uma linha sobre o escândalo das listas de vagas do concurso de professores. Será desta que vai criticar os seus amigos laranjinhas, ou também aqui a culpa é do Sócrates?
Não me diga que não vai escrever um post sobre isso...

Pedro disse...

Caro anónimo(?), se for ao meu outro blogue (www.maisumaaula.blogspot.com) vai ver que logo no sábado escrevi sobre o assunto..

Anónimo disse...

Que engraçado que você é!

Quer-me cá parecer que você está a um passo dos comunistas e não sabe!

Isso que você defende é o mesmo que se defendia pelos loucos tempos de 74, pós 25/04...

Pois é!

E isso tem um nome:

Comunismo - no seu termo pomposo, ou
Inveja gorda - no seu termo popularucho

um abraço (e faça o favor de não me apagar!)

Hordy Narão

Anónimo disse...

Já agora (e só para meter veneno)

porque carga de águas um professor ganha mais do que um funcionário de secretaria? Não são ambos funcionários do estado e membros da comunidade educativa, sendo que o segundo trabalha mais horas que o primeiro, sem isenção e sem férias intercalares?

Hordy Narão