quarta-feira, julho 09, 2003

A Lógica do Vinho

Há situações caricatas na vida social e económica portuguesa, que advêem de um certo imobilismo nacionalista, e que reflectem a existência de pormenores sem qualquer tipo de lógica, mas que a sociedade portuguesa considera como sendo perfeitamente normais.
Uma dessas situações que só em Portugal poderia acontecer é o facto de existirem uma série de produtos regionais que vendem muito à custa do nome que apresentam nos seus rótulos, para além da própria qualidade intrí­nseca do produto em si mesmo.
Proponho hoje uma reflexão séria sobre o Vinho que é produzido a partir das castas de uvas que crescem nas margens do rio Douro (em Peso da Régua, em Mesão Frio, no Pinhão, etc.) e que é reconhecido interna e externamente por "Vinho do Porto". Bem sei que as gentes da cidade do Porto defendem esta situação como algo normal, que lhes pertence, muitos sem saberem porquê e alguns argumentando com a manutenção de uma tradição meramente histórica.
Contudo, importa saber um pouco da verdadeira história deste tão apreciado vinho. A primeira referência escrita de que se tem conhecimento e ligada ao nome "Vinho do Porto" é referente ao Vinho do Douro exportado pela Alfândega do Porto e que data dos finais do ano de 1678. Para o baptizado dos vinhos dourienses, aos quais se juntava aguardente, conferindo-lhes o seu inconfundível sabor, muito contribuiu o espírito mercantil revelado pelos negociantes ingleses da época, radicados na cidade do Porto. De facto, até se poderá dizer que os verdadeiros expansionistas do "Vinho do Porto" foram os ingleses e não os portugueses da cidade invicta. Sabiam disto?
Assim, terá lógica denominar um vinho que pertence a uma região (a do Douro) como um vinho de uma cidade que actualmente nada tem que ver com este produto? Acho que não! Claro que para esta minha opinão algo controversa muito contribui a minha costela alfacinha!
No entanto, importa realçar que uma das particularidades caricatas do "Vinho do Porto" é ter uma Região Demarcada para a sua produção (a região do rio Douro) e outra zona vocacionada para o seu envelhecimento (o entreposto de Vila Nova de Gaia), não tendo, actualmente, nenhuma afinidade com a cidade que lhe dá o nome, para além dos lucros económicos que confere ao turismo do Porto. É caso para dizer que o Porto até dos vinhos dos outros se aproveita para fazer dinheiro!
Que lógica teria denominar os vidros da Marinha Grande como "vidros de Lisboa" apenas porque são exportados a partir desta cidade? E que tal chamar ao queijo produzido na Serra da Estrela como "queijo alfacinha" por ser comercializado para o Brasil e outros paí­ses a partir da capital portuguesa?
Bem sei que, caso algum tripeiro esteja a ler este artigo, certamente já deve estar, por esta altura, com os cabelos em pé e a argumentar com a justificação tradicionalista para a manutenção desta "lógica da batata". Ou será a "lógica do vinho"?
Quanto a mim, prefiro ser pragmático e coerente: espero que um dia alguém tenha a coragem de aplicar a verdadeira denominação de origem ao vinho produzido nas margens do Douro! Até lá, um brinde ao Vinho do Douro!

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